14 de julho de 2015

Haddad e a Locação de Cães



Em Fevereiro de 2015 o G1 publicou uma matéria sobre o fato da Prefeitura de São Paulo ter alugado cinco cães da raça Rottweiler e um Fila para um teste piloto de segurança em cemitérios, sendo o primeiro deles o cemitério da Consolação. O prefeito Fernando Haddad afirmou na matéria que pretendia fazer uma licitação para contratar mais cães para cemitérios da capital, o edital vai contemplar a implantação da segurança com cães em mais três cemitérios municipais: São Paulo, Araçá e o Quarta Parada.

A matéria originou uma onda de revolta entre os defensores dos animais e, no mesmo mês, três projetos de lei proibindo a prática nas esferas municipal, estadual e federal foram protocolados.

No mês de Março um deputado estadual enviou uma perita criminal, juntamente com a Polícia Ambiental, para fazer uma vistoria surpresa no cemitério da Consolação a fim de constatar os maus tratos e elaborar um laudo:

"Segundo o laudo, durante a noite os animais ficam presos a cabos de aço nas entradas do cemitério para inibir as tentativas de furto, em clara situação de risco de ferimentos e enforcamento. Durante o dia, são recolhidos a espaços restritos, onde ficam confinados sem a adequada proteção de sol ou chuva. “São cinco canis totalmente precários, inadequados. São corredores estreitos, fechados com compensados frágeis, com muita umidade, lama e pouca ventilação. Em quatro deles não encontramos água ou alimento”, descreveu a perita judicial Andréa Freixeda. “Alguns utensílios para alimentação estavam armazenados dentro de um túmulo, ao lado de uma urna aberta, com ossada humana. Os maus-tratos já se refletem na pele dos animais, com sinais de alergia, alteração do pelo, além da aparência geral de fragilidade”.

Ainda no mesmo mês o GECAP (Grupo Especial do Ministério Público) instaurou um inquérito nº38.1092.222/15 para investigar o caso. Quando oficiada a Prefeitura informou que não utilizava mais cães para segurança no cemitério.

Em Maio o projeto de lei 55/15 municipal foi aprovado na Câmara de Vereadores de São Paulo, sendo em seguida vetado pelo prefeito Haddad com o argumento de que  o projeto de lei versa sobre Direito Civil e Direito Comercial, matérias que desbordam da competência legislativa municipal, posto que conferidas, de forma privativa, à União. A argumentação para o veto é totalmente equivocada pois além de afirmar que o PL versa sobre direito Civil e Comercial, o que não é verdade pois o PL não proíbe a atividade de vigilância, proíbe os serviços de segurança mediante a locação de cães de guarda, ainda cita a Portaria da Polícia Federal DPF Nº 3233 DE 10/12/2012  afirmando que esta que expressamente permite a utilização de cães nos serviços prestados por empresas de vigilância, porém não leva em consideração o artigo 141, da mesma Portaria, que define que os cães deverão estar SEMPRE acompanhados por seguranças devidamente habilitados. O que não ocorre na locação, geralmente os animais são jogados à própria sorte em terrenos, fábricas ou casas abandonadas.

"Da Utilização de Cães Adestrado
Art. 139. As empresas de vigilância patrimonial e as que possuem serviço orgânico de segurança poderão utilizar cães em seus serviços, desde que possuam autorização de funcionamento e certificado de segurança válido. 
Art. 140. Os cães a que se refere o art. 139 deverão:
 I - ser adequadamente adestrados por profissionais comprovadamente habilitados em curso de cinofilia; e 
II - ser de propriedade da empresa de vigilância patrimonial ou da que possui serviço orgânico de segurança, ou de canil de organização militar, de Kanil Club ou particular. 
Parágrafo único. O adestramento a que se refere o inciso I deverá seguir procedimento básico e técnico-policial-militar semelhante ao adotado pela polícia militar. 
Art. 141. Os cães adestrados deverão estar sempre acompanhados por vigilantes devidamente habilitados para a condução do animal. 
Parágrafo único. A habilitação a que se refere o caput deverá ser obtida em treinamento prático, em órgão militar ou policial, Kanil Club ou empresa de curso de formação, expedindo-se declaração ou certificado de conclusão de curso.
 Art. 142. O cão, quando utilizado em serviço, deverá possuir peitoral de pano sobre o seu dorso, contendo logotipo e nome da empresa. 
Art. 143. A atividade de vigilância patrimonial com cão adestrado não poderá ser exercida no interior de edifício ou estabelecimento financeiro, salvo fora do horário de atendimento ao público."

É importante também levar em consideração de que a Locação de Cães não é uma atividade prevista na Classificação Nacional de Atividades Econômicas/CNAE que é o instrumento de padronização nacional dos códigos de atividade econômica e dos critérios de enquadramento utilizados pelos diversos órgãos da Administração Tributária do país.

O artigo 30, da Constituição Federal, dá aos municípios a competência de suplementar a legislação estadual ou federal no que couber, além de legislar sobre assuntos de interesse local, portanto a administração municipal poderia tratar do tema dentro do âmbito da legislação ambiental, considerando a manifesta intenção do projeto de proteger animais de sofrimento. Sempre que a norma estadual ou federal, ou a falta dela, deixar lacunas para serem aplicadas no âmbito local, caberá ao município suplementar a legislação naquilo que for necessário. Além disso um dispositivo constitucional que se opõe à conduta mais terrível que pode recair sobre um ser vivo - os maus tratos - não pode ser esmagado por interesses mercantis, principalmente advindo de uma atividade irregular.

Vamos elencar alguns pontos que devem ser levados em consideração sobre a atividade:
  1. A locação de cães é uma atividade irregular e não regulamentada;
  2. As empresas que trabalham com esse tipo de atividade não sofrem nenhum tipo de fiscalização, uma vez que a grande maioria trabalha na clandestinidade;
  3. É uma atividade que fomenta o desemprego, uma vez que a cada mês as escolas formam milhares de profissionais aptos e treinados para a função, estes profissionais devem possuir a CNV (Carteira Nacional de Vigilante) e passar por reciclagens periódicas, pois a profissão de vigilante é regulamentada, possuindo direitos e deveres previstos em lei. Cada cão alugado tira o emprego de um profissional preparado;
  4. Existem centenas de denuncias de maus tratos, negligência e abandono de cães de aluguel. Para comprovar basta uma breve busca na internet;
  5. Coloca os animais em situação de abandono e maus tratos, os cães vivem isolados, sem contatos com humanos ou outros animais, são vítimas de envenenamentos, expostos ao risco de serem baleados para uma possível invasão, essa negligência provoca danos na saúde fisica e mental do animal e coloca em risco a vida dos animais explorados;
  6. É uma atividade que não recolhe impostos aos cofres públicos;
  7. Cria problemas sanitários em função de lugares imundos a que os animais são obrigados a viver, principalmente pela falta de limpeza e higiene diárias;
  8. O cão não substitui a presença física de um profissional treinado, pois não tem o discernimento necessário para identificar e analisar riscos de segurança e definir as diretrizes de ação de prevenção;
  9. No caso de uma possível fuga, coloca em risco a integridade de pessoas e animais que vivam próximo ao "local de trabalho" do cão;
  10. Existe um laudo no Ministério Público que comprova os maus tratos infringidos aos cães locados pela Prefeitura para "trabalhar" no Cemitério da Consolação.
Como se não bastasse, na edição do dia 12/07/15, a Revista Folha de São Paulo publicou a reportagem:"Cães guardarão cemitérios do Araçá e da Consolação; conheça seu ofício" informando que a prefeitura de São Paulo fará, neste mês de Julho, uma licitação para contratar vinte cães (oi??? ) para segurança dos cemitérios do Araçá e da Consolação, onde oito canis já foram construídos.

No dia 13/07/15, a coordenadora do Movimento Crueldade Nunca Mais, enviou ao GECAP uma solicitação de investigação no que tange ao fato da Prefeitura de São Paulo divulgar que fará talo  licitação para contratar 20 cães de guarda, levando em conta tudo o que foi publicado neste texto.

Contudo, fica alguns questionamentos: 
  1. Por que o prefeito Haddad, tendo um laudo pericial que comprova os maus tratos dos animais, LOCADOS PELA PREFEITURA, decidiu vetar o projeto de lei 55/15, considerando o parecer Procuradoria Geral do Município recomendando o veto de inconstitucionalidade por versar sobre Direito Civil e Direito Comercial e não por versar do tema dentro do âmbito da legislação ambiental, considerando a manifesta intenção do projeto de proteger animais de sofrimento. Essa foi exatamente a justificativa que ele usou para sancionar a  Lei 16.222/2015 que proíbe a produção e a comercialização do produto foie gras no âmbito do município de São Paulo, desconsiderando o parecer da Procuradoria Geral do Município recomendando o veto pelo mesmo motivo de versar sobre o Direito Comercial?
  2. Por que, mesmo tendo um laudo pericial que comprova os maus tratos dos animais locados para segurança, e sendo investigado pelo Ministério Público, o prefeito Haddad decidiu ampliar o número de animais locados, através de licitação?
  3. Qual o interesse da Prefeitura de São Paulo em dar continuidade numa atividade que contribui para o desemprego e a crueldade contra animais?
  4. Por que o prefeito Haddad não contrata seguranças para fazer o trabalho, aumentando dessa forma a geração de empregos, um dos princípios fundamentais de seu partido, o Partido dos Trabalhadores, em lugar de explorar animais que tiram o emprego de trabalhadores e não recolhem impostos aos cofres públicos? 
  5. Por que ele decidiu avalizar a continuidade de uma atividade irregular?
O movimento Crueldade Nunca Mais e o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal  estão unidos para derrubar o veto do prefeito Haddad ao projeto de lei que proíbe a locação de cães, junto a Câmara do Vereadores.

Os motivos que nos fazem apoiar a aprovação do projeto de lei 55/15, no âmbito do município de São Paulo, não são apenas de ordem humanitária, mas têm amparo legal e visam, tanto impedir que os animais sofram maus tratos, quanto garantir e aumentar a oferta de emprego para profissionais habilitados e formados para este fim.

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